a Lacuna Central na Implementação da Gestão Enxuta: A Função Recursos Humanos.
Autor: Marcelo Alceu Amoroso Lima
Publicado: 29/11/2010
I – Há um GAP fundamental na implementação atual da Gestão Enxuta nas empresas brasileiras: a Função Recursos Humanos
A Gestão Enxuta vem sendo disseminada pelos mais diferentes setores da economia brasileira. Variam as estratégias de implementação, as abordagens e métodos e a maturidade e entendimento da liderança, mas uma constante é a existência de uma lacuna com relação à contribuição da Função Recursos Humanos, que prejudica invariavelmente a implementação.
A implementação da Gestão Enxuta nas empresas brasileiras - quando feita sob a forma de um projeto piloto em uma família de produtos de uma determinada área - apresenta resultados muito significativos em termos de economia de recursos de capital fixo e capital de giro, ganho de tempo, melhoria de qualidade de produtos e serviços, menor custo e melhor atendimento aos clientes.
A grande dificuldade, entretanto, tem sido a sustentação dos resultados nessas áreas isoladas, em função de interfaces que trazem problemas exógenos prejudiciais ao “Piloto” ao longo do tempo, do desgaste da manutenção por muito tempo de uma ilha de excelência dentro da empresa, da difusão ineficiente da experiência de implementação da Gestão Enxuta de uma área para as outras, ou mesmo das dificuldades causadas pela falta de conexão da implementação da Gestão Enxuta com outros sistemas de gestão da empresa.
Para ser bem-sucedida, a expansão da Gestão Enxuta de uma área piloto para as demais áreas da empresa necessita muito do apoio da Função Recursos Humanos, sendo que uma das maiores dificuldades para a sustentação das implementações no Brasil tem sido a falta de conhecimento e a falta de envolvimento desta função com a Implementação da Gestão Enxuta. Na verdade, na maioria das empresas que têm implementado a Gestão Enxuta, o papel da Função Recursos Humanos na implementação não tem sido claro e definido.
Dentre as áreas tradicionalmente de responsabilidade de Recursos Humanos, observa-se que as principais demandas não satisfeitas em implementações de Gestão Enxuta têm sido as seguintes:
- Gestão de mudança da cultura organizacional.
- Estimular o foco nas pessoas, com mais confiança e autonomia, orientado por uma visão estratégica, clara e desdobrada;
- Valorização da participação da liderança na linha de frente (CulturaGemba) em contraposição à Gestão à Distância;
- Quebra de Paradigmas, abrindo o Modelo Mental das pessoas ao novo, minimizando a síndrome do “Não foi inventado aqui” e o medo da mudança.
- Gestão da estrutura organizacional, processos, métricas de avaliação de desempenho e interfaces.
- Criação de uma área focada exclusivamente em disseminar os conceitos da Gestão Enxuta;
- Envolvimento desde o início das áreas com interface relevante;
- Estímulo à interação e colaboração entre departamentos (com foco nos fluxos de valor horizontais);
- Quebra de sistemas e barreiras internas que sejam empecilhos à implementação.
- Gestão de mudança do modelo de liderança.
- Liderança - fazer aquilo que prega;
- Liderança - comprometer-se com o projeto;
- Liderança - enxergar o projeto de implementação da Gestão Enxuta como sistema de gestão da área.
- Treinamento e desenvolvimento na filosofia e nas ferramentas da Gestão Enxuta integrando Processos x Teoria x Prática x Resultados.
- Capacitação da liderança;
- Capacitação dos times de melhoria contínua;
- Eficácia dos treinamentos.
- Engajamento da liderança e dos colaboradores - de forma sustentável - na transformação para uma Gestão Enxuta.
- Disseminação da estratégia de implementação;
- Comunicação transparente;
- Planejamento da alocação das pessoas deslocadas por ganho de produtividade, evitando demissões;
- Estabelecimento de mecanismos de reconhecimento;
- Enfrentamento da inércia organizacional, preparo para não desistir na primeira dificuldade e compromisso com o Senso de Urgência
- Difusão dos experimentos bem-sucedidos como forma de facilitar o engajamento.
No Lean Summit 2010, os presidentes de 4 grandes empresas brasileiras1 que têm tido sucesso em Implementações de Gestão Enxuta concordaram que os principais desafios da alta liderança em implantações no Brasil são os seguintes:
- Definir o framework de implementação e desafiar a organização.
- Delegar o processo de implementação para a organização e fazerfollow up.
- Manter viva ao longo do tempo a chama da implementação da Gestão Enxuta de forma que se transforme no sistema de gestão da empresa.
Fazendo uma reflexão sobre os desafios da alta administração expostos acima e as demandas não satisfeitas pela Função Recursos Humanos, conforme observado nos processos de Implementação da Gestão Enxuta, observa-se a importância da sua mobilização, tendo em vista suportar a alta liderança e facilitar a transformação da empresa.
II - Como preencher o GAP e ir além: Renovar o “R.H.” com uma Gestão Enxuta - gente e gestão no século XXI
A Função Recursos Humanos tem postulado como determinante de seu sucesso a necessidade de trabalhar com excelência em seus processos e um envolvimento com o negócio e com a liderança em seus fundamentos estratégicos. Tem postulado também – em uníssono com a alta direção - a singularidade das pessoas como ativo maior. A área tem postulado e proclamado, não os tem realizado na prática, mas os vê como imperativos para seu futuro!
A consequência prática e coerente desse posicionamento deve ser, portanto, uma maior pró--atividade, impacto, excelência operacional e relevância junto à empresa e às pessoas e a capacidade de alavancar o potencial e a performance de cada indivíduo para diminuir as carências estratégicas, táticas e operacionais.
É importante frisar o acima exposto de que também devem ser prioritárias as carências táticas e operacionais do negócio, tendo em vista que essas dimensões são muitas vezes equivocadamente menosprezadas quando o pensamento estratégico é teórico e distante da realidade da execução e da prática da operação.
A Função deve abdicar de uma posição limitada de departamento de pessoal, de departamento de psicologia, de departamento de recursos humanos desgarrado do propósito do negócio ou de departamento de negócio desgarrado das pessoas, para aprofundar o conhecimento sobre a natureza humana e sua capacidade de - individualmente ou pela atuação em times - e através de processos e de um propósito empresarial claro, produzir a transformação organizacional contínua e recorrente, necessária ao sucesso sustentável da empresa e das pessoas.
A área de Recursos Humanos não pode ser superficial, periférica ou passageira. Precisa ser transformadora! O futuro da função precisa ter conteúdo, significado e impacto, para que não seja condenada à irrelevância ou à terceirização, como atividade transacional, para prejuízo maior das pessoas e do negócio!
O que se faz hoje - em geral - não é o futuro da área! Precisa-se, como função, desenvolver o aprendizado necessário para construir o seu papel para o negócio e as pessoas do futuro e disseminá-lo pelas lideranças de toda a organização, que são a verdadeira imagem e a profunda representante da política de Recursos Humanos da empresa.
De fato, se olharmos os manuais de Recursos Humanos, eles abordam o que o RH “faz”, elencando o planejamento da força de trabalho, planejamento sucessório, recrutamento e seleção, avaliação de desempenho e de competências, treinamento e desenvolvimento, compensação, benefícios, comunicação interna, desenho organizacional, relações trabalhistas, desenvolvimento de times de alta performance, mensuração do clima de trabalho, engajamento do pessoal e os sistemas de informação e controle...
David Ulrich, em “Human Resource Champions: The next agenda for adding value and delivering results” - Harvard Business Review Press, 1997 - subverte esSa ordem do “fazer” e propõe como paradigma - hoje hegemônico - para a Função Recursos Humanos: “contribuir e entregar resultados” para o negócio. Mais especificamente qualifica 4 áreas genéricas de resultado: execução estratégica, eficiência administrativa, contribuição dos empregados e capacidade para a mudança. Nessas áreas, propõe respectivamente como competências da função: ser consultor - parceiro do negócio, expert em Recursos Humanos, advogado dos empregados e agente de mudança.
Ulrich vincula primordialmente o propósito da área de Recursos Humanos às necessidades do negócio e qualifica onde e como a área contribui. O que o RH faz pode então ser esquematizado em três dimensões, respectivamente, operacional, tática e estratégica:
1) Atividades transacionais e de rotina;
2) Atividades de engajamento participativo e inspirador com lideranças, funcionários e representação sindical;
3) Atividades para a criação e aperfeiçoamento da capacitação das pessoas em função das necessidades estratégicas do negócio.
Na primeira dimensão, a busca da excelência se dá pela qualidade e agilidade do serviço e pela maximização da produtividade dos recursos empregados – muitas vezes através da constituição de áreas específicas focadas nas tarefas transacionais. Na segunda dimensão, a busca da excelência se dá pelo grau de envolvimento dos funcionários e da liderança em gerar melhoria contínua e duradoura para a empresa. Na terceira dimensão, a busca da excelência se dá pelo direcionamento, alinhamento, sincronia e desenvolvimento da capacidade das pessoas para a definição e execução das estratégias de negócio.
Quando refletimos sobre a prática atual de Gestão de Pessoas nas grandes e médias empresas brasileiras, o primeiro grande desafio é a definição dos critérios e a execução da escolha da alta liderança, que condicionam muitas das decisões posteriores com relação a Propósito, Resultados, Processos e Pessoas. Decidir se a liderança atual é apropriada e - se não for - como fazer para acertar a escolha da próxima!
O segundo grande desafio é buscar e reter profissionais talentosos em suas áreas de atuação, alinhados com relação aos valores e propósito da organização e que sejam conscientes e proficientes em relação à padronização, manutenção e melhoria contínua dos processos existentes, a partir da realidade dos fatos e dados.
O terceiro grande desafio é garantir e exigir de todos os membros da organização - indistintamente da hierarquia ou área de atuação: a) conhecimento e prática dos valores e propósitos e respeito para com as pessoas; b) conhecimento transparente do fluxo de valor dos produtos e serviços e dos seus respectivos processos de suporte, na perspectiva do cliente e c) participação no processo de criação e aumento do valor gerado para o cliente e para o acionista, o que é fundamental para dar consciência, alinhar e engajar todos com o propósito da organização.
O movimento de implementação de uma “Gestão Enxuta” nas empresas brasileiras pode ser uma grande ferramenta para a renovação da área de Recursos Humanos e enfrentar os desafios acima.
Herica H. de Brito2, expõe a forma como Recursos Humanos é abordado na empresa Toyota e, por conseguinte, como deveria ser o posicionamento básico de empresas que postulem a implantação de modelo de gestão inspirado na Toyota:
“A postura ou valores que os empregados e os líderes devem ter baseiam-se em dois pilares que são a melhoria contínua e o respeito às pessoas. Esses pilares podem ser explicados da seguinte maneira:
Melhoria contínua, ou sabedoria e kaizen, como é dito no Japão, é formado por três itens, a saber, Challenge (desafio), Kaizen (melhoria contínua) e Genchigenbutsu (ver o local e ver os fatos).
Por Challenge entende-se o incentivo à criação, inclusive ao erro. O ser humano aprende o conhecimento com o acúmulo de acertos e erros e, se existe o medo de errar, a possibilidade de acertar também é restrita; assim, na Toyota os funcionários são encorajados a criar, a ter uma visão de longo prazo e a tomar decisões bem avaliadas.
Kaizen é a ideia de que não existe nada perfeito, que a melhoria é infinita. Ou seja, jamais deve-se se acomodar com a conquista atual e, por mais que pareça perfeito, tudo pode ser melhorado. A melhoria deve ser contínua, jamais ter fim.
Genchigenbutsu retrata o espírito do Sistema Toyota de valorização da produção e da agregação de valor. Todas as decisões devem ser tomadas a partir de uma avaliação real do fato ou das coisas, ou seja, através da visão, tato etc. Isso significa que, se o foco da empresa é o produto, todos os envolvidos devem conhecer pessoalmente o processo de produção do mesmo.
Respeito às pessoas fundamenta-se no respeito ao próximo, aos acionistas, aos funcionários e ao Teamwork (trabalho em grupo). Incentiva-se a comunicação e a criação da confiança e responsabilidade mútua entre a empresa e seus funcionários, com o objetivo de promover o seu desenvolvimento.
As grandes implicações para a função de Recursos Humanos em termos dos Princípios da Gestão Enxuta, dizem respeito a: a) praticar na própria função Recursos Humanos os princípios da Gestão Enxuta; b) necessidade de mudança da estrutura organizacional convencional da empresa; c) difundir a filosofia, método e ferramentas da Gestão Enxuta pela empresa; d) necessidade de mudança no modelo de liderança (do supervisor ao presidente); e) necessidade de criar nova cultura organizacional a partir da cultura histórica da empresa e dos problemas que ela queira resolver.
Praticar na própria função Recursos Humanos os princípios de Gestão Enxuta significa utilizar os métodos para eliminar o desperdício, agregar valor para o cliente e liberar recursos para desenvolver as pessoas e a organização; significa entender e atender as necessidades do cliente interno (que por sua vez busca atender as necessidades do cliente externo) e fazer com que os processos de suporte de Recursos Humanos sejam praticados com maior qualidade, menor tempo de ciclo, menor custo e maior satisfação com o trabalho, fazendo fluir as atividades que agregam valor.
Os recursos liberados poderão então ser dedicados a atender outras necessidades que a empresa tem da função – normalmente de impacto maior no longo prazo e que não têm sido atendidas a contento, como desenvolver a liderança, desenvolver o pessoal operacional, desenvolver a cultura e desenvolver a organização.
Necessidade de mudança da estrutura organizacional significa definir uma estrutura que espelhe a responsabilidade pela elaboração e desdobramento da estratégia, pela resolução dos problemas e pelo desenvolvimento das pessoas, que tenha como pressuposto o desenvolvimento multifuncional, com conhecimentos e habilidades para resolver problemas utilizando o P.D.C.A” (Planejar, Fazer, Checar e Ajustar) como método de pensamento estruturado e os processos operacionais como processos de desenvolvimento das pessoas.
Necessidade de mudança da estrutura organizacional significa também desenvolver uma organização com menos níveis hierárquicos e organizada em torno dos fluxos de geração de valor, onde a responsabilidade é atribuída nos níveis mais diretamente associados à geração do valor.
É necessário incorporar a crescente qualificação em termos de educação formal, de participação política e de melhoria de nível social e o correspondente encarecimento da força de trabalho brasileira no sistema de produção vigente de forma que as estruturas organizacionais permitam a maximização da sua inclusão e do seu aproveitamento.
Difundir a filosofia, método e ferramentas de Gestão Enxuta significa um trabalho de apoio à difusão do conhecimento e de treinamento associados à padronização e melhoria dos processos de trabalho e ao método do PDCA. O envolvimento da área de Recursos Humanos com o negócio é crucial para garantir que os treinamentos sejam associados aos processos, às práticas e a resultados continuamente melhores, num círculo virtuoso de processos robustos e pessoas talentosas assegurando melhoria contínua e resultados.
Necessidade de mudança no modelo de liderança significa disseminar uma cultura de fazer o que se prega e gerenciar a contribuição de todos e de cada um de forma a se reforçar os conceitos propostos para a liderança em todos os processos da empresa. Significa desenvolver líderes com propósito, mentalidade de fazer o trabalho com base em processo, método e habilidade de desenvolvimento das pessoas e garantir a perpetuidade deste modelo de liderança para as próximas gerações de líderes. Em termos de processo de sucessão, é necessário assegurar o compromisso dos líderes com processos de melhoria contínua consistentes antes de se pensar em promoções como degraus de uma escada de progresso da carreira individual.
Necessidade de criar nova cultura organizacional significa uma cultura de valores, integridade, fatos e dados, transparência, exemplo, processo, padronização e melhoria da rotina, aprendizagem, metas e resultados de curto e longo prazo consistentes, respeito, trabalho em equipe e criatividade - sem complacência nem arrogância!
É importante uma atenção especial aos processos estruturantes do negócio, como os de planejamento estratégico, orçamento, vendas e planejamento operacional, avaliação de desempenho, bônus e aumento meritocrático, recrutamento externo, interno e da nova geração de líderes, gerenciamento da sucessão. Isto para que se mantenha coerência e alinhamento da liderança em torno do propósito, processos e gestão de pessoas.
Voltando ao que propôs David Ulrich em 1997, conforme mencionado anteriormente, como competências requeridas para a Função Recursos Humanos vemos, conforme exposto, que o “Modelo de Gestão Enxuta”:
- Permite atuar como “consultor – parceiro” do negócio a partir do direcionamento e alinhamento com os fluxos de valor para o cliente e com os processos de suporte.
- Estimula a expertise técnica a partir de um modelo de excelência na gestão dos processos e do desenvolvimento de pessoas através dos processos, por eliminação dos desperdícios e a partir do que os clientes esperam da função.
- Pressupõe ser advogado dos empregados, respeitando as pessoas e as associando como partícipes da melhoria contínua do negócio.
- Contempla ser agente de mudança, dentro de um objetivo de atender melhor ao cliente, com menor uso de recursos, de forma mais rápida e com respeito às pessoas, através da padronização de processos e da melhoria contínua.
É este o direcionamento necessário à Função de Recursos Humanos para que se possa ter excelência nos processos estratégicos, táticos e operacionais, com sua transformação em uma função responsável por Gente e Gestão. Mais além, vale ressaltar que os processos de Avaliação de Desempenho das Pessoas e de Avaliação do Resultado da Empresa e os processos de Avaliação dos Talentos e Sucessão e de Elaboração da Estratégia do negócio são o entroncamento de integração - respectivamente de curto e longo prazo - entre Gestão de Gente e Gestão do Negócio.
Marcelo Alceu Amoroso Lima Foi Diretor de Recursos Humanos da Bunge, Whirlpool e Merck Sharp & Dhome; Diretor Administrativo-Financeiro da Mapri - Belgo Mineira e Professor de Engenharia de Produção da UFSCar. Engenheiro de Produção, Mestre em Economia e Doutor em Gestão.
Notas:
1 - Conforme apresentação da Embraer, Cedro Cachoeira, Astra-Zêneca e Mangels.
2 - Gestão de Recursos Humanos no Sistema Toyota de Produção” , publicado em 21/09/2005 no site do “Lean Institute Brasil”.
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