Gestão de Projetos e Pneus – Água e Óleo?
Por Márcio Oliveira Budini
Um dos maiores desafios hoje nas empresas de transporte que usam pneus como seu material rodante (excluiremos as empresas que usam os modais de trens, aviões e barcos por razões óbvias) é encarar os seus custos fixos de forma mais assertiva para fazer frente aos desafios logísticos imensos, principalmente em países com infraestrutura precária como o Brasil. Não existe na quase totalidade delas uma visão de projeto para esses custos fixos, principalmente na administração do que se chama conta-pneus.
Antes de prosseguir, façamos um diagnóstico do que é essa “conta-pneus”: é a reunião de todos os gastos que as empresas tem com a compra e manutenção de seus pneus. Nela devem ser computados não só as compras, reparos e reformas, mas também todas as despesas com estoque, instalações, ferramental, pessoal e outras despesas acessórias que visem manter essa conta em funcionamento.
Nesse primeiro momento, já aparece um problema crônico em todo mundo: as empresas somente controlam os gastos com compras, reparos e eventualmente reformas (alguns setores de transporte, como OTR – Off The Road, por suas características de serviço brutal em minas, agricultura, obras públicas não tem essa prática via de regra), tendo a visão errônea de que esses gastos são unicamente despesas. Soma-se a esse fato uma cultura patriarcal nessas empresas, particularmente na América Latina, inclusive o Brasil, na qual os fundadores ainda são os comandantes em chefe dessas empresas, sem uma visão estratégica profunda, baseando suas decisões no “expertise” acumulado ao longo de décadas unicamente.
Vale aqui ainda ressaltar que a conta-pneus no setor de transporte é o segundo maior custo desse setor, perdendo somente para o combustível, e todas as atitudes que são tomadas nessa conta acabam por afetar a conta-combustível também. Um exemplo simples é utilizar um carro de passeio com, por exemplo, 20 litros de combustível e a pressão dos pneus conforme o fabricante. Com esse combustível será possível rodar uma certa quantidade de quilômetros. Refaça o mesmo exercício com os mesmos 20 litros e agora com os pneus com 10 PSI (libras) a menos de pressão. Além do desconforto na direção, será possível rodar uma quantidade de quilômetros menor que na situação ideal, utilizando as mesmas ruas. Para piorar, nas empresas em geral, o local no qual se lida com os pneus é o mais sujo, desprezível, insalubre e, às vezes, perigoso da empresa. Note que uma explosão de um pneu de caminhão típico (normalmente na medida 295/80 R 22.5 e com 110 PSI) gera energia igual a pressão de 8 vezes a do ar ambiente, suficiente para matar uma pessoa.
E onde a prática da gestão de projetos pode auxiliar esse setor e particularmente essa área tão esquecida e ao mesmo tempo tão essencial ao setor de logística e transportes? Os GPs e o PMO podem auxiliar criando os projetos que garantam que essas empresas tratem seus pneus como um ATIVO, que seja devidamente administrado e que renda às empresas a lucratividade, segurança e desempenho necessários. O PMO primeiramente, pelas suas características pode fornecer à empresa a padronização de processos, desenvolvendo tecnicamente as habilidades dos envolvidos na operação da conta-pneus, melhorando os ferramentais utilizados, técnicas e métodos de trabalho, tornando-os conhecidos e compreendidos pela organização. Na sequência, aplicar os métodos de governança que alinhem esse setor nas políticas estratégicas da empresa, enriquecendo o dia-a-dia dos operadores, fazendo-os sentir parte de um todo, o que hoje não acontece. Também a governança, por sua característica, já faz por sumir um dos principais inimigos das boas práticas nesse setor: o roubo. Existe um gargalo aberto por inexistência de procedimentos nessa área que incentiva o roubo, o superfaturamento, as práticas comerciais escusas.
Outra pratica que deve ser buscada pelo PMO é o patrocínio político dos níveis de alta diretoria (CEO, CFO, etc).
Na sequência, os GPs entram em ação colocando em prática os projetos necessários para “arrumar a casa”. Esse processo depende da compreensão de um outro gargalo que foi batizado por alguns fabricantes de pneus como “ladrões de quilometragem”, que seriam a justificativa básica e pilar dos escopos dos projetos. Esses ladrões podem ser divididos em 5 classes:
- Pressão do Ar: práticas que mantenham os pneus trabalhando nas recomendações dos fabricantes. A ingerência nesse item causa perdas entre 25 a 40% do valor da conta-pneus. Deve sempre ser o “piloto” do PMO de pneus, pois os outros ladrões de quilometragem estão escondidos neste e a solução ou pelo menos colocação sob controle dos níveis de pressão do ar irá revelar a urgência e os reais retornos dos outros projetos. Em suma, todos os outros projetos são dependentes dele.
- Desgaste Irregular: é a situação na qual as medidas dos sulcos (parte do pneu que toca o solo) estão com valores muito diferentes. Ele pode ser consequência da ingerência de pressão de ar ou problemas com a manutenção dos veículos. Essa ingerência chega a roubar de 15 a 25% do orçamento anual das frotas. Os projetos aqui tem de focar a manutenção de altos níveis de administração de pressão de ar, revisão dos processos de manutenção de veículos e eventualmente treinamento de motoristas.
- Emparelhamento: esse é o ladrão mais difícil de combater. É a situação de se utilizar produtos dos mesmos modelos e dos mesmos fabricantes. Diferentemente do que acontece nos veículos de passeio, nos quais os 4 pneus são idênticos, nos veículos de transporte, ônibus e OTR há uma especialização dos pneus por posição de montagem, ou seja, há modelos específicos para serem usados na direção, parte frontal dos veículos, trações, parte traseira e eixos livres (normalmente carretas ou articulações de ônibus). E ainda, dependendo de onde o veículo roda, pode haver um segundo nível de especialização. O que normalmente acontece aqui é que como as empresas encaram os pneus como item de despesa, eles saem comprando aquilo que consideram mais barato em termos de preço e se esquecem desse critério de especialização. Normalmente a pessoa que compra os pneus e outros insumos mal conhece o que se passa na borracharia e sai comprando o que acha mais barato. Esse comportamento pode levar embora até 70% da quilometragem esperada. Os projetos referentes a esse tema devem focar a padronização de processo de compras olhando o pneu como item de ativo, comprando tecnicamente e não financeiramente, buscando as melhores alternativas. Estudos de custos são bastante aplicáveis nesse momento.
- Socorro em Estrada ou SOS: as paradas de serviço dos veículos podem ter consequências desastrosas para as empresas. Projetos nessa área devem focar no combate as causas das paradas, estudando casos antigos, melhorando processos investigativos e de “compliance”, aprendendo com as ocorrências passadas, documentando-as de forma a fornecer informações que previnam ocorrências futuras, treinando e reciclando os motoristas ou operadores. Projetos específicos de procedimentos de segurança, atendimento a acidentes e outros itens causadores de SOS podem ser tocados.
- Perda de carcaças: refere-se aos pedaços de pneus encontrados pelas estradas. A perda de carcaças pode ser combatida com processos melhores de gestão de uso de pneus, determinando corretamente as datas de retirada de serviço, normas de sucateamento e desenvolvimento de fornecedores para reformas de melhor qualidade. Os projetos de combate a perda de carcaças visam a aumentar a segurança do material rodante, prevenindo o SOS e para os clientes que tem processo de reforma, o desenvolvimento dos melhores processos.
O que também deve sempre ser levado em consideração e é uma das características do PMO é que nenhum PMO é igual ao outro, tal qual nenhuma frota é igual a outra. Buscar resultados em projetos bem sucedidos de terceiros pode ser um atalho para o fracasso. Estudar minuciosamente os ladrões para tomar as decisões corretas é essencial. Na hora de definir as viabilidades dos projetos, o PMO deverá se recordar de que o lucro esperado não entrará na forma de receita, mas sim na forma de contenção de gastos. Então um determinado projeto X, que tem um investimento inicial de R$ 100.000 por exemplo, terá seus indicadores calculados na diferença entre a perda de dinheiro causada pelos ladrões na situação atual versus àquela projetada nos períodos futuros. Daí será possível calcular corretamente cada indicador.
No cenário atual, a gestão de projetos a pneus é similar a combinação de água com óleo. Mas a boa prática dos PMOs e dos GPs podem quebrar esse paradigma. É provado que mudanças de paradigma para as frotas, bem direcionadas por PMOs competentes sempre reduzem custos, a níveis superiores a 15% em qualquer canto do mundo!
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